Por: Lucas Rigaud
Há 15 anos, George Harrison, o eterno guitarrista, cantor e
compositor que deu alma à música da banda britânica The Beatles, muito
debilitado por conta do câncer que batalhava desde os anos 90, estava rodeado
de muito amor e carinho pela sua esposa, Olivia, seu filho, Dhani, e alguns
amigos íntimos, até murmurar suas sábias e últimas palavras: “Amai-vos uns aos
outros”.
Conformado que não
teria muito tempo de vida, George partiu para fora do mundo material de maneira
tranquila e feliz, longe das câmeras e da chateação da mídia. Em uma das suas
últimas entrevistas, foi praticamente pego de surpresa durante uma corrida de Fórmula
1, uma das maiores paixões do músico; apesar de ter primeiramente recusado
falar com a repórter que o abordou, Harrison mudou de ideia, mostrando ao mundo
pela última vez sua simpatia e humildade. O eterno Beatle não acreditava que o
corpo era mais importante que alma, o que, de fato, não é; jamais quis que a
mídia registrasse seu corpo enquanto estava se deteriorando, por conta da
doença. De acordo com um amigo: “George Harrison não queria a sua fotografia
num caixão como epitáfio”.
George Harrison, na
humilde opinião dos Mestres Sonoros, foi e sempre vai ser o verdadeiro mestre
do quarteto de Liverpool. Sua simplicidade, humildade e genialidade eram,
infelizmente, pouco reconhecidas durante os Beatles, quando a atenção era
voltada para os "líderes" da banda, John e Paul. Porém, em carreira
solo, Harrison foi o primeiro do Fab Four a obter sucesso, recebendo altos
elogios e, finalmente, sendo reconhecido como o gênio que sempre foi.
George Harold Harrison nasceu em Liverpool, Inglaterra, no
dia 24 de fevereiro de 1942, porém a data "oficial" de seu
aniversário é comemorada em 25 do mesmo mês. Foi o último de quatro filhos do
motorista de ônibus Harold Hargreaves Harrison e da funcionária de lojas
Louise. George nasceu de uma família católica e descendente de irlandeses.
A primeira escola que
cursara foi a Escola Primária de Dovedale, próximo a Penny Lane, onde
curiosamente também fora local de estudo de John Lennon. Passando em seus
exames finais, Harrison conseguiu uma vaga no Liverpool Institute For Boys,
onde ficou de 1954 a 1959. George disse que, quando tinha 12 ou 13 anos, ele
teve uma "epifania" — andando de bicicleta pela vizinhança, ele ouviu
"Heartbreak Hotel", de Elvis Presley, tocando em uma casa próxima, e
ficou chocado. Ainda que, à época, ele tivesse tido um bom desempenho escolar,
ele já havia perdido o interesse pelos estudos. Com 14 anos, ele se sentava ao
fundo da sala de aula, tentando desenhar guitarras nos livros escolares:
"Eu estava completamente vidrado em guitarras. Eu ouvi que um garoto na
escola tinha uma guitarra de três libras e dez xelins, era só um pequeno buraco
acústico. Eu pedi três libras e dez xelins à minha mãe; isso era bastante
dinheiro pra nós." Harrison comprou um violão Dutch Egmond. Enquanto
estava no Liverpool Institute, Harrison formou um grupo de skiffle com seu
irmão Peter e um amigo chamado Arthur Kelly. Foi nessa escola que ele conheceu
Paul McCartney, que era um ano mais velho. McCartney, posteriormente, se
tornaria membro da The Quarrymen, banda de John Lennon, à qual Harrison se
juntaria, em 1958.
Ao perder interesse
pelo skiffle, John Lennon começou a tocar mais rock'n roll e, como já fora
mencionado, George entrou na banda em 1958 quando Rod Davis, que tocava banjo,
saiu do grupo. Posteriormente, Stuart Sutcliffe (chamado também de Stu) também
entrou para a banda como baixista. No verão do mesmo ano, eles gravaram em um
disco de acetato de 78-rpm as canções "That'll Be the Day"(composição
de Buddy Holly) e "In Spite of All the Danger" (composição de
McCartney e Harrison).
Em 1960, a banda
trocou de nome 5 vezes. Stu sugeriu o nome The Beetles (os besouros) em
homenagem a banda The Crickets (os grilos), de Buddy Holly. Após uma tournê com
Johnny Gentle na Escócia, eles mudaram definitivamente o nome para The Beatles.
Nos Beatles, a
primeira música cantada, mas não escrita, por Harrison foi "Do You Want To
Know A Secret", que está no primeiro álbum lançado pela banda chamado
Please Please Me. A primeira canção escrita pelo Beatle encontra-se no álbum
With The Beatles e se chama "Don't Bother Me". Essa canção fora
escrita quando George estava doente de cama em quarto de hotel. A música se
tornou curiosa por ser completamente diferente das escritas pela dupla
Lennon-McCartney, com um vocabulário mais ousado e frases como: "Vá
embora, deixe-me sozinho, não me pertube." Porém, George adquiriu mais
sucesso interpretando a canção "Roll Over Beethoven" de Chuck Barry,
presente no mesmo álbum.
No começo da
histórica banda, Harrison era visto como apenas um garoto pelos outros
integrantes, por o mais jovem entre eles. No auge da Beatlemania, George ganhou
o apelido "Quiet Beatle" (Beatle calmo/Beatle quieto) devido à sua
timidez e tendência de falar pouco em entrevistas.
Um dos marcos mais
importantes de sua carreira aconteceu durante a turnê nos E.U.A em 1965, quando
David Crosby, integrante da banda The Birds, introduziu George à cultura
indiana através dos trabalhos do então músico Ravi Shankar. Shankar ensinou ao
Beatle tocar cítara, um instrumento de cordas indiano com som mágico e
magnífico. George ficou completamente apaixonado pelo som indiano e se tornou
um dos principais responsáveis pela introdução da música indiana nos anos 60.
Sua primeira introdução de cítara em uma música pop ocorreu na canção
"Norwegian Wood" do álbum Rubber Soul.
Outro importante
acontecimento na vida de George ocorreu durante as filmagens de Help! em 1965,
nas Bahamas. Na época, ele começou a se interessar pela religião hindu ao ler
um livro sobre reencarnação. Em 1966, ele e sua mulher Pattie Boyd foram à
Índia, onde ele conheceu vários gurus, locais sagrados e estudou o sitar. De
volta a Inglaterra, George conheceu Maharishi Mahesh Yogi e começou a
desenvolver a meditação transcendental. Influenciados por George Harrison, os
Beatles foram à Índia fazer meditação espiritual em 1968. Em 1969, produziu o
single "Hare Krishna Mantra", interpretado por devotos do templo
londrino de Radha-Krishna. No mesmo ano, ele e John Lennon conheceram
Bhaktivedanta Swami Prabhupada, fundador da Sociedade Internacional para a
Consciência de Krishna (ISKCON). Pouco depois, Harrison abraçaria a tradição
Hare Krishna, em particular o canto de mantra usado como meditação privada e
chamado japa-yoga, tecnicamente similar ao rosário na tradição católica.
Em 1966, a partir do
álbum Revolver, George começou a demonstrar talento tão incrível quanto ao da
dupla Lennon-McCartney, compondo canções de alta qualidade e conseguindo lançar
3 músicas suas no álbum. Em 1968, sua música "While My Guitar Gently
Weeps" se tornou a composição de maior sucesso do Beatle, esta está
incluída no White Album - The Beatles.
"Something"
foi sua primeira canção a ser lado A de um compacto dos Beatles, a canção
também é consideradas uma das mais belas da história e, depois de "Yesterday",
é a canção mais regravada dos Beatles. Muitos consideram essa como a melhor
composição de Harrison.
Antes do fim da
banda, George já havia lançado dois álbuns solo: Wonderwall Music, de 1968, e
Electronic Sound, de 1969. Após a separação da banda, George Harrison foi o
Beatle de carreira solo mais vitoriosa. Seu primeiro álbum pós-beatles foi um
grande sucesso de público e critica. O All Things Must Pass, de 1970, é
considerado por muitos como o melhor trabalho solo de um Beatle e um dos melhores
discos da história. Sucesso como "My Sweet Lord", "Isn't It a
Pity" e "What is Life" fizeram o álbum atingir o primeiro posto
das paradas de sucesso britânicas e norte-americana.
O maior fato ocorrido
em sua carreira foi em 1971: pela primeira vez na história do rock, George
Harrison organizou um show humanitário: O The Concert For Bangladesh. O show aconteceu em 1 de agosto no
Madison Square Garden, de Nova York, reuniu cerca de 40.000 pessoas e contou
com a participação de Eric Clapton, Ravi Shankar, Bob Dylan, Ringo Starr, Leon
Russell, Billy Preston e o grupo Badfinger. Os outros ex-Beatles também foram
chamados mas só Ringo Starr compareceu. Paul alegou ser muito cedo para reunir
a banda novamente e John não compareceu porque o convite não se estendeu a sua
esposa, Yoko Ono. O The Concert For Bangladesh foi feito com a finalidade de
arrecadar fundos para refugiados de Bangladesh. Em 2005 o álbum foi relançado
em CD e em DVD e as arrecadações foram doadas à Unicef.
De forma adicional ao seu próprio trabalho, George Harrison
escreveu duas canções para Ringo Starr, "It Don't Come Easy"
(creditada apenas a Ringo Starr, lançada como single) e "Photograph"
(parceria entre Harrison/ Starr), incluída no álbum Ringo, de 1973. Colaborou com o álbum Imagine
(1971), de John Lennon, assim como nas canções "You're Breakin' My
Heart" de Harry Nilsson, "Day After Day" de Badfinger,
"That's The Way God Planned It" de Billy Preston e "Basketball
Jones" de Cheech & Chong.
No seu disco Living in the Material World,
de 1973, está presente a canção "Give me Love (Give me Peace on
Earth)", segunda a atingir o primeiro lugar das paradas norte-americanas
depois de "My Sweet Lord".
Em 1980, após o
assassinato de John Lennon, George escreveu a canção "All Those Years"
em sua homenagem e chamou Paul McCartney, Linda McCartney e Ringo Starr para
participarem da gravação. Em 1987, George lançou o álbum Cloud 9, que foi
produzido por Jeff Lynne (Electric Light Orchestra). Depois de 5 anos, foi uma
volta com reconhecimento de público e de crítica.
George convidou mais uma vez alguns amigos para participar
do álbum: Eric Clapton, Ringo Starr e Elton John, além do próprio Jeff Lynne. A
canção "I got my mind set on you", escrita por Rudy Clark na década
de 1960, atingiu o primeiro lugar nos Estados Unidos e segundo na Inglaterra. A
canção "When We Was Fab" em referência aos Beatles conseguiu sucesso
mais modesto. No video clip desta canção George aparerece junto com Ringo Starr
e Paul McCartney, este fantasiado de leão marinho em homenagem às fantasias
usadas no filme Magical Mystery Tour. O álbum alcançou o posto de número 8 nas
listas de sucessos dos Estados Unidos e o número 10 nas britânicas, dando a
Harrison seu melhor resultado desde Living in the Material World.
Na década de 90,
George foi diagnosticado com câncer de pulmão e enfrentou diversas cirurgias
para elimina-lo. Porém, em 2001 o câncer voltou em metástase. Apesar de tantos
tratamentos, a doença já estava no seu estado terminal e o Beatle sabia que não
lhe restava muito tempo de vida.
No dia 29 de novembro
de 2001, nosso querido George nos deixou e partiu para um lugar melhor ao lado
de sua Divindades. Seu corpo foi cremado e suas cinzas jogadas no rio Ganges
(ou no rio Yamuna) na Índia.
Exatamente um ano
após sua morte, Olívia Harrison, sua mulher, e Eric Clapton, seu amigo,
organizaram o Concert for George, no Royal Albert Hall, em Londres. O concerto
contou com a presença do filho de George, Dhani, além de grandes amigos como
Paul McCartney, Ringo Starr, Eric Clapton, Billy Preston, Ravi Shankar, Tom
Petty, Jeff Lynne, Jim Capaldi, Jools Holland, Albert Lee, Sam Brown, Gary
Brooker, Joe Brown, Brian Johnson, Ray Cooper, integrantes do Monty Python e
Tom Hanks.
George Harrison ocupa
o 11º lugar na lista dos 100 maiores guitarristas da história segunda a revista
Rolling Stone e sem dúvida é um músico que mudou completamente o solo estilo
rock'n roll e que jamais será esquecido.
A simplicidade,
humildade, o silêncio por fora, mas por dentro uma alegria inesgotável, as
letras, a voz, os solos, tudo isso fez desse homem um dos maiores gênios
musicais que o mundo já viu. Agora, George pode tocar seu inesquecível solo de
guitarra ao lado do seu “Doce Senhor” por toda a eternidade, enquanto
gentilmente choramos de saudade.
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